O melhor bolo de chocolate do mundo
A primeira vez que comi o autointitulado “melhor bolo de chocolate do mundo” estava de viagem em São Paulo. O gosto era bom. Não levava farinha, mas o chocolate era delicado. Todavia, o melhor bolo de chocolate do mundo ainda é o da minha mãe. “Mulato grã-fino”, o nome da receita.
Quando eu era criança, aguardava ansiosamente pelo meu aniversário, dia no qual ganhava um bolo desses e deixava de almoçar ou jantar por causa dele. Também torcia por outros aniversariantes que ganhassem um de presente e dividissem comigo uma fatia em outras datas. Quando eu era criança, não pensava nos conceitos de “mulato” ou “grã-fino”. Minha mãe se denominava “mulata”. Mulato ou negro era o meu bolo favorito e a cor da minha mãe. Nunca foi algo negativo. Os dois eram finos, maravilhosos.
No entanto, minha mãe “mulata” também trabalhava como empregada doméstica e, de vez em quando, dizia para mim que um dia eu ia sentir vergonha dela. Eu era pequena e não entendia isso. Na escola, fizeram-me compreender o medo que ela sentia da pior forma. Nunca tive vergonha da minha mãe, mas aprendi cedo que melhor era não falar muito de mim. Sempre me esquivei de perguntas sobre pais, famílias, viagens de férias e moradia. Aprendi a conversar sobre “o tempo”. Quase uma adepta da cultura britânica (aprendi mais tarde). Cresci e tem gente que jurava que eu era grã-fina. Minha mãe disse que sempre tive porte de gente rica. Nem se toca que aprendi COM ELA a ter altivez. Nunca foi sobre aparentar riqueza material.
Ela, com seu porte de rainha, nunca se viu de forma positiva de verdade. Como? Como se ver positivamente em um mundo que disse que ela deveria ter vergonha de ser? Hoje é aniversário de 67 anos dela. Já disse pessoalmente, mas quero reiterar: “Mãe, eu tenho muito orgulho de você!”. Orgulho por você ter vencido nesta vida louca, por ter me possibilitado vencer, por ser negra e ser linda!
Fui pesquisar a receita do melhor bolo de chocolate do mundo: o da minha mãe. Ele leva meio quilo de chocolate meio amargo em barra, inclusive na massa (que tem farinha). Coisa fina mesmo! Mas acho que a partir de hoje quero chamar o meu bolo favorito de “Negro maravilhoso”. Negro como esta grafite preciosa no papel, rasgando as cortinas das minhas memórias.
Parabéns, mãe! Eu jamais tive vergonha da mulher generosa, trabalhadora, forte e corajosa que me ensinou a ser gente em um mundo tantas vezes desumano. Vergonha eu tenho de pessoas que medem os outros por classe, cor, gênero ou qualquer regra torta. E o melhor bolo do mundo, mãe, sempre será o seu!
17/01/2020