O leitor ideal
Para quem eu escrevo? Quem é e o que deseja ouvir o meu leitor ideal? Meu fantasma e meu carrasco, nunca deveria ter escrito para você. Por sua culpa, travo diante de assuntos que não deveria calar. Por causa de você, temo que me leiam errado. Quisera não ter lhe criado nunca.
Meu leitor ideal leu bem mais do que eu. Como saciá-lo? Ele sabe de mais assuntos do que sei discutir. Será? Devo tê-lo colocado em um pedestal. Preciso descê-lo e deixá-lo ir. A raiva é saber que ele sempre volta.
Meu leitor ideal também se vê escritor. E o que irrita é que, provavelmente, nos complementamos. Onde sou poesia, ele é técnica. Onde sou letra, ele é música. Onde sou liberdade, ele é método. Onde sou caos, ele é ordem. Escreveríamos o livro perfeito.
Por que ainda escrevo? Será uma tentativa angustiada de libertar minha voz, me libertar dos fantasmas, tornar-me? Todo dia um início, uma tentativa, uma frustração… Nada pelo qual me apaixone de verdade e me dê loucura de contar. Será que quero paixão demais?
Por que ainda quero escrever? Porque desde que me percebi gente e alguém me disse que algum ofício eu precisaria escolher, eu quis saber contar histórias. Muitas já correram nas minhas veias, mas nenhuma me fez ter vontade de sacrifício, de matar e morrer pelos meus personagens. Muitas páginas já foram, inclusive, para o lixo.
Um abismo entre o meu sonho e a realidade? Um medo de não ser digna do meu leitor ideal? As horas passando e levando com ela as minha páginas… Às vezes penso que me deixo assombrar por fantasmas. Ou vai ver o meu carrasco, o meu problema não sejam eles ou o meu leitor ideal. Talvez o meu maior obstáculo seja achar que nunca estive à altura do que sonhei para mim. Talvez eu precise descobrir que já sou e ainda não me enxerguei como devo.
Texto originalmente publicado na página Vida de Adulto: http://vidadeadulto.com.br/2019/11/30/o-leitor-ideal/